21/10/2004 -
12h39m John fala de 'Let it bed',
Mutantes e do 'método Arnaldo' de gravação
Leonardo Lichote - Globo
Online
Como surgiu o projeto do disco?
Na
verdade, nós percebemos que tínhamos um disco quando ele já estava
praticamente todo gravado. Conheço Arnaldo Baptista há 12, 13 anos,
mas apenas há três me aproximei mais dele. Em 2002, eu e Rubinho
Troll levamos equipamentos e programas para sua casa em Juiz de
Fora, para gravar de maneira desencanada, sem pensar em disco.
Apresentamos a ele baterias eletrônicas (que ele recusou no início),
sample, a possibilidade de edição no computador. Mas as primeiras
gravações foram confusas, ainda não tínhamos descoberto o "método
Arnaldo". A primeira em que nós conseguimos achar o caminho foi
"LSD". Ali percebemos que tínhamos um disco na mão.
Como
foi esse caminho?
Os arranjos do disco foram feitos de
fragmentos dos takes que Arnaldo gravou. As canções vinham inteiras,
mas nos arranjos usávamos pedaços das gravações. Porque ele tocava
todos os instrumentos do início ao fim da música. Uma gaita que
íamos usar só no fim de uma música, ele fazia questão de gravar
toda. E ficava bom! Aí usávamos outros trechos em outras faixas.
Acrescentei programações e orquestrações também, mas sempre seguindo
linhas melódicas que Arnaldo já anunciava no piano.
E
Arnaldo gravava tudo naquela ordem dele, o menos ortodoxa possível:
primeiro baixo, depois piano, depois bateria. A maneira de produzir
um disco de Arnaldo não se encaixa em nenhum manual de produção.
O Pato Fu, no início, era comparado aos Mutantes. É
interessante que você esteja agora produzindo "Let it bed"...
O Pato Fu não tem identificação direta com os Mutantes.
Penso nossa banda como um projeto dos anos 80, filho direto do new
wave e do pós-punk, de B52's e Talking Heads. Durante algum tempo,
incomodava a comparação com Mutantes, porque virou quase uma bula
para ouvir Pato Fu. Mas é claro que ouvi Mutantes, que conheci
através de uma fita que meu Irmão mais velho tinha. Os Mutantes
representam um paradigma de criatividade e ousadia no rock
brasileiros. Todos que têm contato com sua obra tomam um susto. Eles
faziam um treco que ninguém esperaria. É até difícil acreditar que,
nos anos 60, fosse possível fazer aquilo. É como aquela história,
que minha avó pensa até hoje, de que o homem não foi para a Lua,
aquilo foi feito em estúdio. Mutantes é mais ou menos assim.
Como você vê "Let it bed" na carreira de Arnaldo?
"Let it bed" é muito coerente com tudo que Arnaldo fez. Tem
a temática da loucura, que ele usa desde sempre, seu humor, os
trocadilhos, a investigação científica em versos sobre criogenia e
energia solar... Como produtor, tentei ser fiel o máximo que pude.
Mas por outro lado, teve muita interferência técnica. Gosto das
coisas dele, principalmente da fase clássica, não curto muito o lado
progressivo. Mas o disco não tem isso, talvez até mesmo pelo fato de
eu não ter puxado para esse lado.
Tinha milhões de dúvidas
sobre como iriam receber o disco. Achava genial, mas tinha medo de
ser apenas uma piada interna, que funcionava apenas para nós, que
estávamos envolvidos. Porque é um CD estranho em qualquer época. E
emocionante que dói. As pessoas não estão acostumadas com algo tão
exposto e cru. Mas a recepção tem sido ótima e, divulgando o disco,
fico impressionado com a reverência a Arnaldo. Seria muito bom que
"Let it bed" fosse lançado em vinil também. O formato te obriga a
ter uma atenção que o disco pede.
Comente algumas músicas
do CD:
"LSD" é o resumo da ópera, com as ironias, a
psicodelia, a temática da louca, a clonagem de Cristo. E a
sonoridade muito louca.
"Ai garupa" é um pouco mais antiga,
mas ele gravou pela primeira vez agora. Gosto do registro da
gravação em si. É uma das que foi gravada em Belo Horizonte, no
Andar Estúdio. Mantive no início e no fim um pouco do som ambiente
do estúdio. Quando acaba a gravação, Fabiano e Daniel, do estúdio,
ficam emocionados e aplaudem. Esse momento, com o aplauso de duas
pessoas e Arnaldo dizendo "desculpe" por ter errado alguma coisa, é
lindo.
Quando ouvi "Gurum gudum" me lembrei de cara dos
Mutantes, com aquelas referências caipiras que eles tinham.
Incluímos barulhos de vacas, passarinhos. Na gravação original, na
casa do Arnaldo, já tinha um pouco essa "sujeira" sonora, por causa
das cigarras.
"Cacilda" nós recuperamos de uma fita cassete
que estava às formigas. Uma demo, com ele decorando a música ao
piano. O que eu fiz foi pegar esse piano e voz, dar uma melhorada e
juntar com outros instrumentos, para dar uma cara de gravação toda
mais antiga. Foi a música em que eu inseri mais instrumentos
externos, que não foi ele quem tocou.
"Bailarina" é uma
música mais complexa, uma bossa nova complicada. É um susto pro
médico que deu o diagnóstico dele há 22 anos dizendo que ele nunca
mais iria criar nada.
|