ARNALDO POR ARNALDO (texto de Arnaldo Antunes de 1995, por época do relançamento de Singin’ Alone pela Virgin-EMI) Aqui tudo é vivo. Respira. Vibra. Tropeça. Descontrola. Ocupa o espaço com suas arestas. Nada é de plástico. Tudo é matéria orgânica. Estou falando da pessoa, da música, do jeito, dos timbres, do sotaque de Arnaldo Baptista. E estou pensando isso enquanto reouço o Singin’ Alone, remasterizado (com mais clareza em todos os detalhes). Depois de tanto tempo, é espantoso como ele se mantém potente e original, fora de qualquer padrão standard de sonoridade. Aqui tudo soa sofisticado e precário ao mesmo tempo. Sofisticadamente precário. Sem verniz. Tocando todos os instrumentos, canal por canal, cantando meio em inglês meio em português, cruzando propositalmente alguns tempos – como a caixinha de música, o assobio e a guitarra em “Bomba H sobre São Paulo” – acentuando dinâmicas e variando planos de mixagem. Arnaldo produziu um disco que explora os limites daquilo que a gente se acostumou a reconhecer como a linguagem do rock and roll; elevando-a a um grau de inventividade ainda hoje surpreendente. Um rock muito pessoal, contaminado de diversas informações sonoras, como não poderia deixar de ser para um ex-mutante mutante. De Satie a Stones, do blues à valsa, da moda caipira ao progressivo: “Tá pensando que isso é rock and roll?” Singin’ Alone é um disco em que tudo parece querer dizer: estou vivo. Todos os intrumentos tendem a aparecer com autonomia. Não estão apenas acompanhando, mas comentando, fazendo o seu próprio discurso. Conjugam-se mas continuam íntegros em seus contornos. A forma completamente inusual como a bateria é tocada, por exemplo – às vezes apenas uma peça, o contratempo ou o aro da caixa, de repente surpreendendo com uma virada de tambores, depois saindo, abrindo espaços, impondo dinâmicas que mudam a todo instante as dimensões do som. E aqui desponta a impressionante qualidade melódica de Arnaldo, não só no canto, mas em cada frase desenhada no piano, na guitarra, no baixo. Seu jeito de tocar e cantar me faz lembrar um pouco Syd Barret pós-Pink Flyod, pela crueza espontânea de suas gravações. E pela sensação de uma solidão profunda, que aqui soa sempre mesclada de auto-ironia (“Sei que o mundo está super-populado/ Mas não há ninguém no meu quintal” ou “Hoje de manhã eu acordei sozinho/ Pensei: preciso de dinheiro/ Eu já não sei se você é o dinheiro” ou “Preciso achar logo outro cowboy/ ou mesmo um bandido com quem possa conversar”), dissolvendo qualquer tentação mais dramática. E é justamente esse humor, essa leveza na tradução da barra pesada, que destila a comoção verdadeira que essas canções exalam. Através desse disco, podemos apreciar mais amplamente os desdobramentos desse fenômeno criativo e experimental que foram os Mutantes, e desvendar um pouco onde foi dar essa encruzilhada do tropicalismo com a tradição mais específica do rock, no talento do Arnaldo. Além de tudo isso, podemos curtir e saudar sua volta nessa recente e emocionante regravação da “Balada do Louco”, que não fica nada a dever para a versão original, no disco “Mutantes e seus cometas no país dos baurets”. Ao contrário, acrescenta uma série de novas entonações (como não destacar aqui a maneira trágico-irônica com que ele pronuncia “Sou Napoleão?”) que atualizam a canção de forma pungente. Rebem-vindo, Arnaldo. Arnaldo Antunes (1995) |