“Tenho um lado circense
muito forte e os Mutantes me alegram,
faço palhaçada, acho gostoso!”
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Encontro.
ENCONTRO – Após intervalo de
30 anos de Mutantes e sem tocar com seu irmão
Sérgio Dias, integrante da primeira formação do
grupo, qual foi a
sensação? BAPTISTA – Tive o
pensamento de que há muito não fazia aquilo!
Tenho um lado circense forte e os Mutantes me
alegram, faço palhaçada! E a guitarra do Sérgio
fez o extremo
acontecer.
ENCONTRO –
Como foi o show de São Paulo, tocando para mais
de 50 mil pessoas, na estréia no
Brasil? BAPTISTA – Sempre
falo: sou melhor ao ar livre; o som fica mais
potente, não há paredes. O oxigênio e o fluido
das plantas preenchendo tudo! Estava caindo um
pé d'água, a Nação Zumbi cantando e quando os
Mutantes entraram, parou de chover. Foi
mágico!
ENCONTRO –
Conspiração da
natureza? BAPTISTA – Foi.
Sem contar que São Paulo tem um lado profundo
para mim; remete às minhas origens, a meus
pais.
ENCONTRO – Como é
voltar a ser Mutante? Aliás, algum dia deixou de
ser? BAPTISTA – Estava em
Londres, no camarim, e pensando: "Será que somos
psicodélicos agora?" Não é que entrou uma
jornalista e me disse como éramos psicodélicos!
Eu vou seguindo a
onda...
ENCONTRO – O que
os Mutantes trouxeram para a música
brasileira? BAPTISTA –
Achávamos a bossa-nova cópia do jazz e a
jovem-guarda não era a nossa. Eu e Sérgio
tínhamos formação erudita – mamãe cantava ópera.
E veio o contato solar com Gilberto Gil e a
Tropicália. Fizemos fusão entre música
nordestina, Beattles e Rolling Stones. Tecemos
uma colcha de retalhos e vieram os
festivais.
ENCONTRO – Os
Mutantes têm planos de lançar novos
trabalhos? BAPTISTA – Sérgio
e Zélia estão começando a trabalhar juntos, mas
cada um de nós vive em um estado. Vamos aos
poucos desenvolver trabalhos juntos. É uma
sementinha
plantada.
ENCONTRO –
Você tem carreira-solo, com seis discos. No Loki
(1974), há a música/pergunta: "Será que eu vou
virar bolor?" Por
quê? BAPTISTA – Estava com
26 anos e quis falar sobre mudanças, se iria
ultrapassar os Mutantes: não sabia aonde iria
chegar. Fui compor no piano e ainda havia partes
de Mutantes – tanto que gravei com Liminha
(baixo) e Dinho (bateria) – ex-companheiros de
banda. Eles queriam Yes, eu queria outra
coisa... mas fomos para o estúdio e gravamos.
Foi a comemoração de uma independência. Sou o
quanto consigo me expressar bem, e isto tem a
ver com
satisfação.
ENCONTRO –
Teve medo de virar bolor e ser
esquecido? BAPTISTA – Ao
contrário, o bolor é mais sobre o quanto serei
eterno. Quando morremos, o corpo atinge estado
de bolor, que vai alimentar plantas, produzir
existência. Hoje, há pesquisas sobre criogenia e
tenho interesse nisso: eu me criogenizaria
depois de ultrapassar a velocidade da luz e
contactar com Cristo. Gostaria de falar aramaico
para ele me transmitir coisas
importantes.
ENCONTRO –
Por ter a voz gravada e fazer parte da história
da música, sua eternidade está garantida? Acha
que a música e a arte têm este
poder? BAPTISTA – É
faraônico, isto! Arte num impulso evolutivo e
eterno. Depende de quem faz e como, seja
esculpida em cavernas ou mosaicos, não só
música.
ENCONTRO – A
palavra louco está no seu repertório desde A
Balada do Louco até Everybody Thinks I'am Crazy.
O que é o louco na sua carreira, um disfarce, já
que os loucos tudo
podem? BAPTISTA – É tudo com
que a gente se envolve e vai contra os
psiquiatras. Varia com a cultura e depende das
fantasias, e o louco tem muitas, não? Ouso
lembrar: ninguém se interessou inicialmente
pelas transmissões de Marconi (físico italiano
que em 1896 inventou a rádio-telegrafia). Os
hippies de boutique querem ser loucos, se
parecer com Jimmy Hendrix e usam um monte de
vestimentas. Mas, por baixo delas, não é que
pode ter arte?
ENCONTRO
– Alguns dos seus CDs, como o Loki e
Technicolor, são considerados raridades. Isto
ajuda ou atrapalha a
vender? BAPTISTA – Há quem
pesquise selos, moedas, armas e atinge o prazer
pelas coisas raras. Penso no que faz algo se
valorizar; a vendagem de um CD raro pode
corresponder a um dia de vendagem de um Roberto
Carlos, por exemplo; mas é difícil especificar
valores.
ENCONTRO – Ser
considerado uma lenda viva, assim como você, é
bom ou ruim? BAPTISTA –
Lenda... uma coisa profunda, que pode ser velha,
referir-se ao clássico ou à antigüidade. Penso
sobre o quanto consigo me expressar, dar uma
guaribada na música,
temperá-la.
ENCONTRO –
Quando faz música, o que busca: expressão,
resultado estético, ou deixar uma
mensagem? BAPTISTA – Me
assusto com o que faço com emoção! O Let It Bed
é uma caixa de surpresas. As músicas são
aventuras nas quais me envolvo. A emoção causa a
técnica, que pode ser veloz ou de
coração.
ENCONTRO – A
música pode enlevar, transportar as pessoas. Mas
transformada em produto pode ser fatal para o
músico: adequação às exigências de gravadoras,
compromissos excessivos. Como viver entre estes
dois mundos? BAPTISTA – É,
depende-se muito de marcas... Nós também. Mas em
parte não é ruim; há limites que podem ser mais
ou menos usados, depende do que é suficiente
para cada um, do lixeiro ao
ministro.
ENCONTRO – O
que de melhor a música lhe
trouxe? BAPTISTA – A união
da vocação ao prazer. Na época de colégio, tinha
vocação para física e música. Agora, estabeleço
a física dentro da música por meio da pesquisa
de sons subsônicos, com alto-falantes bipolares,
nos quais a caixa acústica não é
necessária.
ENCONTRO – E
ela te tirou alguma
coisa? BAPTISTA – Tirou um
lado que acho careta. Com 17 anos trabalhava
numa telefônica, planejava ser advogado. Pedi
demissão por causa dos Mutantes e, puxa, fiquei
aliviado por não olhar mais para rádios e
válvulas!
ENCONTRO – O
que gosta de ouvir? BAPTISTA
– O trio West, Bruce and Laing. O West era
guitarrista da Janis Joplin, o Bruce, que foi do
Cream, é o melhor contrabaixista do mundo. O
Laing não tem passado, mas é ótimo. Gosto também
de Jethro Thull, Diana Ross, Yes, Pato Fu e
Lobão. Bob Dylan me inspira filosoficamente.
Sabe que ele teve 17
casas?
ENCONTRO – Sua
preferência por amplificadores valvulados é
famosa. Por quê? BAPTISTA –
O som que escuto no palco vem do amplificador
valvulado, é muito melhor do que o que chega ao
público, que é transistorizado. Em casa, ligo
meu som valvulado e penso como seria maravilhoso
se milhares de pessoas pudessem ouvir
aquilo!
ENCONTRO – Você
fala muito em energia e evolução. Estamos
evoluindo ou não? BAPTISTA –
O futuro, só um besta pode dizer! Estamos num
caminho difícil, mas com saída magnífica: a
eletricidade solar! É uma evolução para a
limpeza por meio de motores elétricos. Sou
vegetariano e acho os dentes caninos do homem
uma involução: determinam comer animais e acho
isto agressivo.
ENCONTRO
– Por que relançar
Mutantes? BAPTISTA – O John
Lennon falou: "Give peace a chance." Eu falo:
"Give enough a chance." Pela suficiente aventura
de ver acontecer as coisas que aconteceram:
poderia ser mixa, mas chegou aos Estados Unidos.
Estou sentindo nossa evolução. Mutantes tarde do
que nunca!
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