Editora Encontro
   
   
     






































 
  20 perguntas para...
 
| RAQUEL AYRES | O instrumentista e compositor dos Mutantes fala da volta da banda após 30 anos e do que pensa sobre música, arte,
evolução e, claro, de si mesmo


ARNALDO BAPTISTA

 
 

Senhoras e senhores, respeitável público! Ele está de volta: Arnaldo Baptista, o multiinstrumentista sempre Mutante. De 1967 a 1972, ele formou com o irmão, Sérgio Dias (guitarra), e a então namorada Rita Lee (vocalista) a banda que produziu um rock de tamanha qualidade que gente como o moderníssimo Beck, os integrantes da banda Belle & Sebastian, David Byrne e o finado Kurt Kobain – da também definitiva Nirvana – têm os tropicalistas brasileiros como influências. De volta com o grupo desde 2006, (com Zélia Duncan no lugar de Rita Lee) ele – com perdão da heresia – desmente John Lennon e nos faz reviver o sonho. Dono de extrema simplicidade e com show confirmado para abril em BH, Baptista concedeu esta entrevista exclusiva à

 

 

 

 

 

 

 

 


“Tenho um lado
circense muito
forte e os Mutantes
me alegram, faço
palhaçada, acho
gostoso!”


 

Encontro.

ENCONTRO – Após intervalo de 30 anos de Mutantes e sem tocar com seu irmão Sérgio Dias, integrante da primeira formação do grupo, qual foi a sensação?
BAPTISTA – Tive o pensamento de que há muito não fazia aquilo! Tenho um lado circense forte e os Mutantes me alegram, faço palhaçada! E a guitarra do Sérgio fez o extremo acontecer.

ENCONTRO – Como foi o show de São Paulo, tocando para mais de 50 mil pessoas, na estréia no Brasil?
BAPTISTA – Sempre falo: sou melhor ao ar livre; o som fica mais potente, não há paredes. O oxigênio e o fluido das plantas preenchendo tudo! Estava caindo um pé d'água, a Nação Zumbi cantando e quando os Mutantes entraram, parou de chover. Foi mágico!

ENCONTRO – Conspiração da natureza?
BAPTISTA – Foi. Sem contar que São Paulo tem um lado profundo para mim; remete às minhas origens, a meus pais.

ENCONTRO – Como é voltar a ser Mutante? Aliás, algum dia deixou de ser?
BAPTISTA – Estava em Londres, no camarim, e pensando: "Será que somos psicodélicos agora?" Não é que entrou uma jornalista e me disse como éramos psicodélicos! Eu vou seguindo a onda...

ENCONTRO – O que os Mutantes trouxeram para a música brasileira?
BAPTISTA – Achávamos a bossa-nova cópia do jazz e a jovem-guarda não era a nossa. Eu e Sérgio tínhamos formação erudita – mamãe cantava ópera. E veio o contato solar com Gilberto Gil e a Tropicália. Fizemos fusão entre música nordestina, Beattles e Rolling Stones. Tecemos uma colcha de retalhos e vieram os festivais.

ENCONTRO – Os Mutantes têm planos de lançar novos trabalhos?
BAPTISTA – Sérgio e Zélia estão começando a trabalhar juntos, mas cada um de nós vive em um estado. Vamos aos poucos desenvolver trabalhos juntos. É uma sementinha plantada.

ENCONTRO – Você tem carreira-solo, com seis discos. No Loki (1974), há a música/pergunta: "Será que eu vou virar bolor?" Por quê?
BAPTISTA – Estava com 26 anos e quis falar sobre mudanças, se iria ultrapassar os Mutantes: não sabia aonde iria chegar. Fui compor no piano e ainda havia partes de Mutantes – tanto que gravei com Liminha (baixo) e Dinho (bateria) – ex-companheiros de banda. Eles queriam Yes, eu queria outra coisa... mas fomos para o estúdio e gravamos. Foi a comemoração de uma independência. Sou o quanto consigo me expressar bem, e isto tem a ver com satisfação.

ENCONTRO – Teve medo de virar bolor e ser esquecido?
BAPTISTA – Ao contrário, o bolor é mais sobre o quanto serei eterno. Quando morremos, o corpo atinge estado de bolor, que vai alimentar plantas, produzir existência. Hoje, há pesquisas sobre criogenia e tenho interesse nisso: eu me criogenizaria depois de ultrapassar a velocidade da luz e contactar com Cristo. Gostaria de falar aramaico para ele me transmitir coisas importantes.

ENCONTRO – Por ter a voz gravada e fazer parte da história da música, sua eternidade está garantida? Acha que a música e a arte têm este poder?
BAPTISTA – É faraônico, isto! Arte num impulso evolutivo e eterno. Depende de quem faz e como, seja esculpida em cavernas ou mosaicos, não só música.

ENCONTRO – A palavra louco está no seu repertório desde A Balada do Louco até Everybody Thinks I'am Crazy. O que é o louco na sua carreira, um disfarce, já que os loucos tudo podem?
BAPTISTA – É tudo com que a gente se envolve e vai contra os psiquiatras. Varia com a cultura e depende das fantasias, e o louco tem muitas, não? Ouso lembrar: ninguém se interessou inicialmente pelas transmissões de Marconi (físico italiano que em 1896 inventou a rádio-telegrafia). Os hippies de boutique querem ser loucos, se parecer com Jimmy Hendrix e usam um monte de vestimentas. Mas, por baixo delas, não é que pode ter arte?

ENCONTRO – Alguns dos seus CDs, como o Loki e Technicolor, são considerados raridades. Isto ajuda ou atrapalha a vender?
BAPTISTA – Há quem pesquise selos, moedas, armas e atinge o prazer pelas coisas raras. Penso no que faz algo se valorizar; a vendagem de um CD raro pode corresponder a um dia de vendagem de um Roberto Carlos, por exemplo; mas é difícil especificar valores.

ENCONTRO – Ser considerado uma lenda viva, assim como você, é bom ou ruim?
BAPTISTA – Lenda... uma coisa profunda, que pode ser velha, referir-se ao clássico ou à antigüidade. Penso sobre o quanto consigo me expressar, dar uma guaribada na música, temperá-la.

ENCONTRO – Quando faz música, o que busca: expressão, resultado estético, ou deixar uma mensagem?
BAPTISTA – Me assusto com o que faço com emoção! O Let It Bed é uma caixa de surpresas. As músicas são aventuras nas quais me envolvo. A emoção causa a técnica, que pode ser veloz ou de coração.

ENCONTRO – A música pode enlevar, transportar as pessoas. Mas transformada em produto pode ser fatal para o músico: adequação às exigências de gravadoras, compromissos excessivos. Como viver entre estes dois mundos?
BAPTISTA – É, depende-se muito de marcas... Nós também. Mas em parte não é ruim; há limites que podem ser mais ou menos usados, depende do que é suficiente para cada um, do lixeiro ao ministro.

ENCONTRO – O que de melhor a música lhe trouxe?
BAPTISTA – A união da vocação ao prazer. Na época de colégio, tinha vocação para física e música. Agora, estabeleço a física dentro da música por meio da pesquisa de sons subsônicos, com alto-falantes bipolares, nos quais a caixa acústica não é necessária.

ENCONTRO – E ela te tirou alguma coisa?
BAPTISTA – Tirou um lado que acho careta. Com 17 anos trabalhava numa telefônica, planejava ser advogado. Pedi demissão por causa dos Mutantes e, puxa, fiquei aliviado por não olhar mais para rádios e válvulas!

ENCONTRO – O que gosta de ouvir?
BAPTISTA – O trio West, Bruce and Laing. O West era guitarrista da Janis Joplin, o Bruce, que foi do Cream, é o melhor contrabaixista do mundo. O Laing não tem passado, mas é ótimo. Gosto também de Jethro Thull, Diana Ross, Yes, Pato Fu e Lobão. Bob Dylan me inspira filosoficamente. Sabe que ele teve 17 casas?

ENCONTRO – Sua preferência por amplificadores valvulados é famosa. Por quê?
BAPTISTA – O som que escuto no palco vem do amplificador valvulado, é muito melhor do que o que chega ao público, que é transistorizado. Em casa, ligo meu som valvulado e penso como seria maravilhoso se milhares de pessoas pudessem ouvir aquilo!

ENCONTRO – Você fala muito em energia e evolução. Estamos evoluindo ou não?
BAPTISTA – O futuro, só um besta pode dizer! Estamos num caminho difícil, mas com saída magnífica: a eletricidade solar! É uma evolução para a limpeza por meio de motores elétricos. Sou vegetariano e acho os dentes caninos do homem uma involução: determinam comer animais e acho isto agressivo.

ENCONTRO – Por que relançar Mutantes?
BAPTISTA – O John Lennon falou: "Give peace a chance." Eu falo: "Give enough a chance." Pela suficiente aventura de ver acontecer as coisas que aconteceram: poderia ser mixa, mas chegou aos Estados Unidos. Estou sentindo nossa evolução. Mutantes tarde do que nunca!


   
   
 
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